sábado, 27 de março de 2021

ECOS DO ISOLAMENTO




O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma.
Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho...
Existe, no nada, essa ilusão de plenitude, que faz parar a vida e
anoitecer as vozes. (Mia Couto, Vozes Anoitecidas)
O ser humano sempre se preocupou com o tempo. Creio que a grande
interrogação existencial da humanidade sempre foi: O tempo passa ou
somos nós, e todas as coisas, que passamos? E tudo passa ao longo do
tempo - que passa? - como se existisse uma coisa chamada tempo.
Talvez se deva ao efeito do nascimento, crescimento, envelhecimento e
morte, bem como da sensação de o tempo passando quando comparado ao
equivalente do nascimento e morte do sol, tornando bem nítida a sensação
de dias passando. Ou seja, o sol ensandecido pela beleza da lua fica
correndo atrás dela sem parar, sem alcançar e sem descansar, e o ser
humano tem esta bela convenção de dias e noites passando.
Quando o sol ilumina o lugar onde estamos, temos a sensação de que
nasce mais um dia luminoso, e, quando sol se vai, dando a sensação de
que o dia morreu, a lua aparece porque ainda continua recebendo a luz
do sol. E isto acontece ininterruptamente, não importa a nossa percepção
de que, como dizia o poeta "É preciso amar as pessoas / Como se não
houvesse amanhã / Por que se você parar pra pensar / Na verdade não há".



Esta sensação de não haver outro dia parece estar presente nos
sentimentos mais profundos daqueles que são diagnosticados com doenças
gravíssimas. Já ouvi, algumas vezes, de amigos ou conhecidos que foram
diagnosticado com câncer, dizerem que tinham poucas esperanças, viviam
um dia após o outro. E mais nada. E a solidão era uma constante.
Perguntados como estavam, ouvia-se a frase pronunciada de forma bem
triste: Estou bem. Aprendi a viver o dia de hoje. Mais nada.
Esta percepção quase palpável de que a perspectiva é de que não haja
nenhuma perspectiva passamos a ouvir nesta pandemia. Já ouvi, de março
para cá, alguns parentes e amigos, ao serem perguntados como estão
passando, repetindo a frase com tristeza: Ah, meu amigo, aprendendo a
viver um dia por vez.

Autor : Fernando Gurgel

Um comentário:

  1. Já dizia o grande escritor Mia Couto: “Não precisamos de mais tempo. Precisamos de um tempo que seja nosso”, por Mia Couto
    Fonte: https://www.pensarcontemporaneo.com/nao-precisamos-de-mais-tempo-precisamos-de-um-tempo-que-seja-nosso-por-mia-couto/?fbclid=IwAR0KWBmh_LmgxWdNQD82d3L3P2oVAjjfHu_fO2WNtxax1yjFwupnzCgL6Sc

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